Os bastidores de O Agente Secreto: a criação do figurino por Rita Azevedo

O Agente Secreto já entrou para a história: além de marcar a volta de Kleber Mendonça Filho à competição oficial de Cannes, o longa rendeu prêmios inéditos para o Brasil – Melhor Direção e Melhor Ator para Wagner Moura, que interpreta Marcelo, um professor universitário em fuga no sufocante Recife de 1977. Com atmosfera densa e textura documental, o filme evita os clichês dos dramas de ditadura e aposta numa construção visual que mistura realismo, memória e afeto.

Wagner Moura e Kleber Mendonça Filho.
Victor Jucá

leia mais
Wagner Moura e Felca na ELLE Men Brasil Volume 05

Coube à figurinista Rita Azevedo – parceira de longa data de Kleber e responsável pelos trajes de Aquarius, Bacurau e Divino Amor – traduzir esse universo para as roupas. Para criar o figurino de O Agente Secreto, ela mergulhou em arquivos públicos, álbuns de família e no acervo da Casa Juisi, em São Paulo, onde parte importante da estética do filme ganhou forma.

Uma dessas peças, uma camiseta vintage da banda New York Dolls, acabou protagonizando uma coincidência curiosa: usada por um figurante numa cena de apenas três segundos, ela foi notada por um crítico britânico que elogiou a densidade de texturas históricas do figurino de O Agente Secreto. Sem saber da conexão, a equipe de moda da ELLE Men selecionou a mesma camiseta – vinda do Juisi – para o editorial com Wagner Moura, que estrela a capa da edição. A peça acabou ficando com o ator, como lembrança dos dois projetos que, sem querer, se cruzaram.

Wagner Moura com a camiseta vintage do Acervo Casa Juisi para a ELLE Men.
Bob Wolfenson

“É bonito de ver”, diz Junior Guarnieri, cofundador do Juisi ao lado de Simone Pokropp. “Você começa a enxergar o filme pelas araras: tons terrosos, silhuetas da época, texturas que contam onde e quando a história acontece.” A seguir, Rita conta como construiu o figurino de O Agente Secreto, das escolhas visuais aos testes com os atores, passando pelos desafios práticos da produção.

Quando chegou o convite para “O Agente Secreto”, o que te instigou nesse projeto?

Primeiro que o desafio sempre é muito grande com o Kleber. A gente tem uma parceria desde 2015, quando ele me chamou para fazer Aquarius. Eu sou arquiteta de formação, nunca tinha trabalhado com cinema, mas ele disse: ‘Não importa. Quero que você faça esse figurino’. Desde então, todos os filmes que fiz com ele foram muito desafiadores. Em Aquarius, por exemplo, já havia uma cena ambientada no fim dos anos 1970, que me levou a conhecer os acervos de São Paulo.

Kleber Mendonça Filho, Emilie Lesclaux e Wagner Moura.
Brent Travers

E como foi construir esse universo dos anos 1970?

É difícil, porque tudo está na cabeça do Kleber. O filme se passa em 1978 e não adiantava pegar referências óbvias ou de outras obras. Eu visitei 40 famílias em Recife, fotografei álbuns antigos, pesquisei jornais e colunas sociais da época. Kleber queria algo real, com cara de cotidiano nordestino, e não algo encenado. Então cada peça, mesmo que simples, tinha que ser certeira: o shape, o tecido, o caimento da camiseta, o comprimento do short… O figurino precisava estar vivo, sem camadas de excesso, mas com muito cuidado nos mínimos detalhes.

E como o figurino ajuda a compor o personagem de Wagner Moura?

O Wagner aparece em dois momentos muito diferentes. No primeiro, ele é um professor universitário, um homem com status, liderança, segurança. No segundo, ele está devastado, em fuga. O figurino acompanha isso, claro. A gente precisou desconstruir a imagem dele e transmitir visualmente essa queda, com mudanças de roupa e modelagens, assim como a maquiagem. Era preciso marcar essa transição sem ser literal demais.

Maria Fernanda Cândido.
CinemaScopio

E os outros personagens? Teve algum desafio marcante?

O Udo Kier, por exemplo, só aparece em duas cenas, mas foi muito preciso. Ele trouxe ideias na prova de figurino, mesmo com pouco tempo. Já Maria Fernanda Cândido veio de Paris com a agenda cheia, então foi tudo bem direto. O Gabriel Leone participou desde os ensaios e conseguimos fazer uma preparação maior. Eu gosto de mandar um dossiê de referências e conversar com cada ator sobre o personagem antes de vestir. Isso dá segurança no set. O figurino é o primeiro contato visual que eles têm com o papel depois do roteiro.

O filme lida com repressão, mas também com outras formas de tensão política. Como isso aparece no figurino?

O foco não é a ditadura em si, mas esse sentimento de repressão. A maioria dos personagens são acadêmicos, artistas, gente da universidade, então tem essa marca. Mas não é panfletário. É mais sobre quem eram essas pessoas, o que elas carregavam nos gestos, nas roupas. Tem também um olhar de memória afetiva que atravessa tudo, inclusive no que se veste.


Victor Jucá

leia mais
O agente secreto: estética vintage, mensagem atual

Qual sequência te exigiu mais pesquisa?

O carnaval de rua. Tivemos que confeccionar fantasias da época, camisetas de bloco de Olinda, usar fita da Brilux como adereço. Era lúdico e bagaceiro ao mesmo tempo. Brilux era um produto de limpeza e virava enfeite. Isso é muito específico e muito brasileiro. Foi uma delícia construir aquilo.

Teve algum perrengue nos bastidores que te marcou?

Sempre tem! Uma vez o Kleber queria uma calça dupla para uma cena com sangue. Eu disse que não tinha, pois a peça era única. No fim, por sorte, tínhamos pegado duas calças iguais sem perceber, então deu certo. Isso acontece quando você está lidando com mais de mil figurinos e 45 malas, só em São Paulo. Era muita locação, muita figuração, de carnaval de vila ao aeroporto com aeromoça da Varig.


Divulgação

Falando sobre os acervos, como foi trabalhar com a Casa Juisi nesse filme?

Eu vou lá desde 2015, é um parque de diversões. Gastei boa parte do orçamento ali. Peguei uma camiseta dos New York Dolls para um figurante, e um crítico citou a

By Núcleo Beleza

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Relacionados