Desfrutar de uma caminhada, experimentar uma nova receita ou se aventurar em um novo hobby. Essas são algumas das atividades compartilhadas na hashtag dopaminemenu, presentes em milhares de postagens nas redes sociais. Nos vídeos, as pessoas compartilham seu menu de dopamina, que segue uma estrutura semelhante a um cardápio de restaurante, com entradas, prato principal e sobremesa.
No entanto, em vez de listarem saladas, massas e outras opções culinárias, esse menu enumera atividades a serem incorporadas na rotina para assegurar o bem-estar e estimular a produção de dopamina, um neurotransmissor associado ao prazer.
Particularmente popular no TikTok, o menu de dopamina surgiu ironicamente como uma reação ao excesso de tempo que as pessoas gastam online. Esse foi o caso da estudante de cinema Lui Targa Starepravo, de 20 anos: “Minha relação com as redes sempre foi ambígua. Eu achava que era uma perda de tempo, mas ao mesmo tempo conseguia encontrar inspirações. Quando percebi que estava horas no TikTok sem fazer nada de útil nem ver coisas que me inspiravam, me deparei com o conceito do menu de dopamina e resolvi colocá-lo em prática”.
Dopamina e a relação entre esforço e recompensa
Antes de explorar mais esse tipo de cardápio, é importante compreender melhor o que é a dopamina. Conhecida popularmente como o “hormônio da felicidade”, a dopamina é na verdade um neurotransmissor, ou seja, um mensageiro químico produzido pelos neurônios.
Essa substância desempenha diversas funções neurológicas e fisiológicas em nosso corpo, incluindo nossas emoções, processos cognitivos, controle de movimentos, função cardíaca, capacidade de atenção e até nos movimentos intestinais. Estudos demonstram que níveis desregulados de dopamina podem estar associados a distúrbios neurológicos e psiquiátricos, como a doença de Parkinson, esquizofrenia e TDAH.
Entretanto, é por sua ligação com o prazer que a dopamina é mais conhecida. Esse neurotransmissor influencia na motivação, no bem-estar emocional e nas decisões tomadas, por estar relacionado ao mecanismo de satisfação e recompensa do corpo. Quando realizamos atividades gratificantes, nosso cérebro libera dopamina, proporcionando uma sensação de bem-estar. Essa experiência é armazenada pelo cérebro, incentivando a repetição de comportamentos ou atividades agradáveis.
Além de memorizar, o cérebro também calcula a relação entre esforço e recompensa. Dessa forma, atividades que demandam pouco esforço e trazem mais recompensa – ou de forma mais rápida – tendem a ocupar mais espaço na rotina. Isso explica, por exemplo, o scroll infinito no feed do Instagram, o apelo irresistível das compras online ou o consumo constante de fast foods. “No mundo atual, existem muitas oportunidades de obter recompensas e algumas delas exigem pouco esforço. A dopamina sinaliza apenas onde está a melhor oportunidade de recompensa com o menor esforço”, explica a neurocientista Carla Tieppo.
No livro Nação Dopamina, a autora e psiquiatra Anna Lembke destaca como a sociedade de hiperconsumo favorece comportamentos compulsivos e adictivos em busca de prazer imediato. Com base em casos atendidos em seu consultório, ela explora a relação entre esforço e recompensa, além de evidenciar como pode ser usado como um mecanismo de fuga. “As pessoas usam substâncias e comportamentos com alta dopamina por vários motivos: para se divertir, se adaptar, aliviar o tédio, lidar com o medo, raiva, ansiedade, insônia, depressão, desatenção, dor, fobia social, e a lista continua”, relata a autora no livro.
Anna Lembke também ressalta como o consumo intenso e a resposta imediata alteraram nossa percepção de tempo. “No ecossistema atual rico em dopamina, todos nós estamos prontos para uma gratificação imediata. Queremos comprar algo e, no dia seguinte, ele está em nossa porta. Queremos saber algo e, no segundo seguinte, a resposta aparece em nossa tela. Estamos perdendo a habilidade de descobrir coisas e ficando frustrados enquanto buscamos a resposta”.
Para Lui, a mudança na rotina introduzida pelo menu de dopamina foi uma maneira que encontrou de lidar melhor com o tempo: “Sinto que o menu de dopamina me ajudou a me trazer para o presente. Tenho ansiedade e percebo que, quando fico muito tempo online, tenho a sensação de que o tempo está passando muito rápido”. Por outro lado, quando se dedica a atividades analógicas, Lui sente que o tempo passa mais devagar. Além do aspecto prazeroso dessas atividades, ela destaca outro ponto importante: “É possível ver o que você fez de forma concreta. Você pode entender que dedicou seu tempo a algo e ver o resultado”.
Como criar um menu de dopamina?
O menu de dopamina segue a estrutura de um menu de restaurante, com entradas, prato principal, acompanhamentos, sobremesas e especiais. A forma de montagem é flexível e deve ser adaptada de acordo com suas preferências. Além disso, a própria elaboração pode ser em um tipo de atividade prazerosa, como desenho, pintura e colagem. Ou, se preferir, pode ser apenas uma lista anotada em um caderno ou bloco de notas. Abaixo, detalhamos cada categoria para você criar a sua versão:
Entradas
Assim como os aperitivos servidos para saciar a fome ou abrir o apetite, as entradas são atividades rápidas que não exigem muito tempo e podem ser realizadas entre 5 e 10 minutos, como exercícios de respiração, regar as plantas ou brincar com animais de estimação.
Prato Principal
O prato principal é reservado para ações que demandam um tempo dedicado e, em alguns casos, necessitam de um período de planejamento. Alguns exemplos para esta etapa são: fazer artesanato, experimentar uma nova receita, praticar algum esporte, encontrar amigos e ler um livro.
Acompanhamentos
Esta categoria inclui atividades que podem ser realizadas simultaneamente a outras e que podem enriquecer a experiência do prato principal ou tornar uma tarefa rotineira mais prazerosa, como ouvir sua playlist favorita ou um novo episódio de podcast.
Sobremesas
Este estágio é designado para atividades que você gosta de fazer, mas que devem ser praticadas com moderação, pois em excesso podem ser prejudiciais. É o momento de equilibrar o tempo gasto nas redes sociais e nos videogames, por exemplo.
Especiais
Seja por estar disponível em um determinado dia no cardápio ou por ser uma edição limitada de uma refeição, os especiais englobam atividades que fogem completamente da rotina e requerem um planejamento mais extensivo, por isso não estão sempre disponíveis. Alguns exemplos incluem: viagens, shows, fazer uma trilha, aprender um instrumento ou visitar um lugar novo.
Lui destaca que a ideia do menu de dopamina é reunir atividades prazerosas e se abrir para novas experiências, tornando-o um processo mutável. “Às vezes nos fixamos em uma ideia e, ao não colocá-la em prática, isso pode ser frustrante. Precisamos ter em mente que nem sempre as atividades listadas funcionarão o tempo todo. Isso permite se conhecer melhor, compreender do que você gosta ou não gosta de fazer e o que te faz bem.”
A neurocientista